Vol. 10
, N.
4
- Fibrose Cística
Carolina F. de Oliveira1
Mariana Jorge F. dos Santos2
1. Nutricionista da ACAM/RJ.
2. Nutricionista do Ambulatório de Fibrose Cística da Policlínica Piquet Carneiro da UERJ.
INTRODUÇÃO
Nos últimos 70 anos, a fibrose cística (FC) emergiu da obscuridade para o reconhecimento como a mais importante doença hereditária, potencialmente letal. Quando os primeiros fibrocísticos foram reconhecidos, a quase totalidade falecia ainda no primeiro ano de vida. Atualmente, com o diagnóstico precoce, o manejo multiprofissional em centros especializados e o acesso à terapêutica adequada, cerca da metade dos pacientes sobrevive à terceira década de vida1.
Os avanços nos cuidados gerais direcionados aos pacientes portadores de FC nas últimas décadas e diagnósticos mais precoces alavancaram o crescimento na população de adultos com esta enfermidade, modificando o perfil demográfico da doença e criando a necessidade do desenvolvimento de programas voltados para o atendimento específico desses pacientes e suas demandas, assim como a adaptação da equipe de saúde nesta nova realidade2.
A manutenção de um estado nutricional adequado é fundamental para a integridade do sistema respiratório na FC. Uma das principais causas de depleção nutricional é o aumento do gasto energético devido à inflamação e à infecção pulmonar, caracterizando a estreita relação entre o estado nutricional e a função pulmonar3.
O suporte nutricional é parte integrante dos cuidados com o paciente pneumopata. A desnutrição pode afetar a função pulmonar, a musculatura respiratória, os mecanismos de defesa imune e o controle da respiração4.
A combinação de uma ingestão oral inadequada e o aumento da demanda metabólica pode ocasionar um balanço nitrogenado negativo com a diminuição da força do músculo respiratório por causa do catabolismo proteico, diminuição do fluxo ventilatório e alteração da função imunológica. Muitas vezes, então, a terapia nutricional pode melhorar este desequilíbrio entre a necessidade e o aporte nutricional5.
A intervenção nutricional deve ser precoce, evitando deterioração na função pulmonar e afetando positivamente a sobrevida. Todo o paciente com FC deve ser avaliado regularmente a fim de monitorizar o estado nutricional e assegurar uma adequada ingestão calórica6.
ESTRESSE OXIDATIVO
O estresse oxidativo pode desempenhar um papel importante na fisiopatologia da FC. O pulmão, o principal órgão responsável pela morbidade e mortalidade por essa doença, é particularmente vulnerável a altos níveis de estresse oxidativo. Está exposto a 8000 L de ar rico em oxigênio por dia, bem como partículas tóxicas, nitrogênio, dióxido de carbono, ozônio e outros oxidantes. Além disso, há grandes fontes internas de oxidantes, incluindo processos metabólicos mitocondriais, o metabolismo peroxissomal dos ácidos graxos, reações do citocromo P450, ativação de fagócitos e o sistema de óxido nítrico sintase. Embora oxidantes ofereçam muitos benefícios nas vias aéreas, cruciais para a defesa do hospedeiro, uma superabundância de oxidantes podem causar danos biomoleculares por produzirem espécies reativas de oxigênio (ROS) em excesso. O resultado é uma cascata de inflamação excessiva, liberação de mediadores e lesões teciduais7.
Alterações do gene na FC podem alterar a respiração aeróbia celular.
Devido às frequentes infecções crônicas na FC, há aumento da circulação de citocinas inflamatórias, catecolaminas e cortisol, assim como aumento de gasto energético de repouso tem sido correlacionado com níveis elevados de catecolaminas circulantes e fator de necrose tumoral alfa. O tratamento antimicrobiano das infecções pulmonares pode reduzir o gasto energético de repouso e promover ganho de peso, mas a cronicidade e recorrência da infecção tornam difícil atingir melhorias sustentadas8.
AVALIAÇÃO CLÍNICA, ESTADO NUTRICIONAL E COMPOSIÇÃO CORPORAL
O acompanhamento dos pacientes fibrocísticos pode ser feito pelo controle de ingestão de 3 dias ou inquérito recordatório de 24h, pela avaliação antropométrica (índice de massa corporal, circunferência do braço, circunferência muscular do braço, prega cutânea tricipital e percentual de perda de peso), pela análise da composição corporal (bioimpedância elétrica) e pela força muscular periférica (força do aperto de mão)5,6.
O IMC - índice de massa corporal [peso (kg) /altura
2 (m
2)] - mostra uma razoável correlação com a massa de gordura corporal em adultos, e está sendo, em primeiro lugar, usado para quantificar obesidade. Algumas clínicas de adultos com FC utilizam o IMC como uma medida do estado nutricional de seus pacientes, cujo crescimento cessou. Recentemente, as categorias de IMC para adultos têm sido redefinidas como baixo peso (<18,5), eutrofia (18,5-24,9), sobrepeso (25,0-29,9) e obesidade (> 30)9.
Outros métodos mais sofisticados para avaliar a composição corporal que são usados, principalmente, para fins de investigação, oferecem avaliação mais precisa do estado nutricional por apresentarem a quantidade de massa gorda (MG) e massa livre de gordura (MLG). Estes métodos incluem o potássio corporal total (TBK), a condutividade elétrica total do corpo (TOBEC), análise da bioimpedância elétrica (BIA), análise da água corporal total por diluição de isótopos e absortometria de dupla emissão de raios-X (DEXA). Este último é capaz de avaliar simultaneamente a MG e MLG, além de poder determinar a densidade mineral óssea (DMO) do corpo2,9.
A avaliação no tratamento da fibrose cística no adulto e o momento ideal de intervenção nutricional estão representados nas Tabelas 1 e 2
TERAPIA DE REPOSIÇÃO ENZIMÁTICA
Na FC, há obstrução dos ductos pancreáticos por espesso muco. Este bloqueia a ação das enzimas sob os alimentos no intestino delgado, podendo causar má digestão e absorção dos mesmos, bem como dificuldade de ganho de peso. A reposição de enzimas pancreáticas ou "enzimas" podem ser utilizadas como artifício para ajudar os pacientes com FC a digerirem e absorverem melhor o alimento. Mais de 90% das pessoas que possuem FC fazem tratamento de reposição enzimática10.
A preparação enzimática mais efetiva compreende microesferas com revestimento entérico contidas em uma cápsula (geralmente de gelatina). O revestimento entérico protege as enzimas da inativação pelo ácido gástrico, desintegrando-se para liberar as enzimas somente quando o pH no duodeno se eleva acima de 5.5. Estudos mostraram uma grande melhoria na absorção de gordura e nitrogênio e sintomas de má absorção, quando os pacientes trocam das preparações tradicionais para essas novas preparações de microesferas ácido-resistentes11.
A reposição de enzimas pancreáticas contém enzimas que digerem gorduras, proteínas e carboidratos complexos. Por parecer haver uma conexão entre melhora da função pulmonar e aumento de peso corporal, é muito importante ingerir as enzimas em todas as refeições, inclusive nos lanches. Alguns alimentos e bebidas não necessitam de enzimas, pois contêm carboidratos simples, que são digeridos facilmente. Alguns exemplos de alimentos e bebidas que não necessitam do uso de enzimas são: frutas (exceto abacate) e legumes (exceto batata), açúcar, compotas, mel e xarope; sucos de frutas, refrigerantes, sorvete ou gelados de frutas12,
drinks de sucos, bebidas esportivas, fórmulas infantis de reidratação (como Pedialyte®), chá, café (sem creme), doces duros (como pirulitos), petiscos de frutas, balas de goma, chicletes, picolés,
frozen, entre outros10.
No Brasil, as recomendações para o tratamento de reposição enzimática estão explícitas na Portaria n. 263, de 18 de julho de 2001, que preconiza o início do tratamento com 1.000U/ kg/refeições de lipase para menores de 4 anos e 500U/kg/refeição para maiores de 4 anos e, usualmente, metade da dose deve ser utilizada após a ingestão de lanches. A dose total deve ser suficiente para 3 refeições e 2 a 3 lanches. Se sinais e sintomas de má absorção persistem, incrementos nas doses podem ser realizados. Não se sabe a segurança de doses entre 2.500 a 6.000 U/kg/refeição; acima dessa dose, o risco de colonopatia fibrosante tem sido descrito. No caso do desenvolvimento de colonopatia, a dose deve ser reduzida para 500 a 2.500U/kg/refeição. Além disso, o uso de antiácidos é recomendado para pacientes portadores de fibrose cística em uso destas enzimas, por aumentar a biodisponibilidade das enzimas e por diminuir a inativação pelo pH baixo13.
TERAPIA NUTRICIONAL
Os problemas nutricionais e as consequências da FC são multifatoriais e relacionados com a progressão da doença. Fatores interdependentes, como deterioração da função pulmonar, anorexia, vômitos, insuficiência pancreática e complicações biliares e intestinais são responsáveis pelo aumento das necessidades energéticas, ingestão diminuída e aumento das perdas atribuídas à inadequação nutricional, com consequente perda da massa magra e depressão da função imunológica14.
O estado nutricional desempenha um importante papel no curso clínico da FC. Prejuízos no estado nutricional acarretam alterações na função pulmonar e interferem na sobrevida do paciente. A intervenção nutricional deve ser precoce, evitando deterioração na função pulmonar e afetando positivamente a sobrevida. Todo o paciente com FC deve ser avaliado regularmente a fim de monitorizar o estado nutricional e assegurar uma adequada ingestão calórica6,8.
Na avaliação nutricional, deve-se contemplar: a dose e horários de ingestão enzimática, frequência e consistência das evacuações, sintomas/ episódios de DIOS (síndrome de obstrução intestinal distal) e constipação, utilização de suplementos nutricionais e de vitaminas e minerais, situação glicêmica, presença ou ausência de doença hepática, além da identificação de transtornos alimentares2.
Necessidades energéticas
As necessidades energéticas variam amplamente de indivíduo para indivíduo e mesmo em um mesmo indivíduo ao longo do curso da vida. Indivíduos portadores de FC possuem um risco maior de desnutrição. A má digestão e a má absorção, assim como as complicações progressivas da doença, dificultam que se consiga atingir o aumento das necessidades energéticas15.
Um elevado gasto energético em repouso (GER) é observado nos pacientes fibrocísticos, sendo estimado ser entre 10 e 30% maior que o normal. O aumento do GER está diretamente relacionado à gravidade da infecção pulmonar por aumento do trabalho respiratório2.
O paciente com FC pode necessitar de 120 a 150% das necessidades diárias estimadas2,6,8,16,17. Uma estimativa aproximada das necessidades energéticas pode ser feita através da seguinte equação: gasto energético total = taxa metabólica basal × 1,1 (fator má absorção) × 1,5 a 1,7 (fator atividade) + 200 a 400 Kcal/dia6.
Lipídios
A recomendação inclui uma dieta rica em gordura, com 35 a 40% das calorias a partir desta fonte15,17. A tendência a restringir o consumo de gordura nesses pacientes deve ser desencorajada, pois a gordura na dieta é a mais alta fonte densidade de calorias, melhora a palatabilidade de alimentos, e é necessária para manter normal status de ácidos graxos essenciais17. A gordura da dieta ajuda a fornecer a energia necessária, os AGEs (ácido linoleico e ácido linolênico) e vitaminas lipossolúveis15.
Proteínas
Os níveis dietéticos de proteína estão aumentados na FC devido à má absorção; todavia, quando as necessidades energéticas são atingidas adequadamente, os indivíduos com FC geralmente podem atingir suas necessidades proteicas seguindo uma dieta normal. Sugere-se que, pelo menos, 15 a 20% do total de calorias sejam consumidos na forma de proteínas15.
Carboidratos
À medida que a doença progride, podem ser necessárias mudanças na ingestão de carboidratos. A intolerância à lactose pode tornar-se evidente e o envolvimento endócrino do pâncreas pode requerer o ajuste nas quantidades de carboidratos15.
A meta do tratamento nutricional é alcançar e manter o peso ideal para a altura, aumentar e equilibrar a ingestão energética, reduzir a má absorção e má digestão e controlar a ingestão de vitaminas e minerais. Para tanto, o cuidado nutricional adequado deve incluir: terapia de reposição enzimática, dietas hiperenergéticas e hiperlipídicas, e suplementação de micronutrientes14.
Utilização de suplementos
Suplementos orais comerciais podem ser utilizados em casos selecionados5. Caso o paciente não consiga ingerir todo o volume energético recomendado, é importante fazer uso de suplementos energéticos juntamente com a terapia de reposição enzimática14.
Geralmente não mais de 20% da necessidade média estimada - EAR - devem ser fornecidos por suplementos alimentares com exceção em casos de infecção aguda ou se o paciente está sendo considerado para a alimentação enteral. O consumo excessivo pode prejudicar o apetite e diminuir a ingestão de nutrientes de alimentos normais. Suplementos devem ser dados para além do horário das refeições ou ao deitar12.
Terapia nutricional enteral
Quando a alimentação via oral não atingir o peso desejado, a suplementação via enteral poderá ser indicada. A administração pode ser via nasogástrica ou via gastrostomia, dependendo da preferência de cada paciente e da experiência de cada Centro. Com relação ao tipo de fórmulas, normalmente as poliméricas são bem toleradas, e geralmente densidades calóricas de 1,5 a 2,0 Kcal/ml são necessárias para prover os requerimentos energéticos. Inicialmente 30 a 50% das necessidades energéticas devem ser fornecidos pela NE, devendo esta oferta nutricional ser monitorada pela taxa de ganho de peso, armazenamento de gordura e crescimento2.
A colocação de sonda nasogástrica a cada noite para alimentações suplementares durante o sono é uma opção para alguns pacientes, mas isso é inconveniente e mal tolerada por alguns doentes, particularmente aqueles com hipertensão arterial pulmonar. A inserção de uma gastrostomia ou jejunostomia tubo é um método aceitável para o aumento ingestão calórica em pacientes selecionados. A colocação é, geralmente, bem tolerada, entretanto, a relação risco/ benefício deve ser cuidadosamente considerada em doentes com doença pulmonar grave, devido ao potencial para comprometimento respiratório após o procedimento17.
Terapia nutricional parenteral
A nutrição parenteral pode ser útil como suporte nutricional por um período curto de tempo, e é benéfica em situações como: pós‑operatório de grandes cirurgias do trato gastrointestinal ou em pacientes comprometidos que aguardam por transplante hepático ou pulmonar2.
Vitaminas
A insuficiência do pâncreas diminui a absorção de nutrientes solúveis em gordura, como o beta-caroteno e vitaminas A, D, E e K, sendo importante serem suplementadas8.
Vitamina A
A deficiência de vitamina A causa cegueira noturna e pode progredir para severa xeroftalmia e anormalidades na epitelização da mucosa brônquica.
Baixos níveis estão associados com a menor função pulmonar e alteração da estrutura. A sua ingestão deve ser suficiente para atingir as concentrações séricas normais sem causar efeitos colaterais, podendo ser alcançadas com doses diárias entre 4.000 e 10.000 UI de preparação lipossolúvel. Consideração especial deve ser dada durante a gravidez na FC, pois tem sido associada à incidência de defeitos congênitos em crianças cujas mães ingeriram doses elevadas de vitamina A (>10.000 UI/dia)2.
Vitamina D
A deficiência de vitamina D é rara na FC. No entanto, a deficiência subclínica pode contribuir para a doença óssea, a qual é relativamente comum. Os baixos níveis podem ser devidos à inadequação dietética, má absorção de gordura e vitamina D, baixos níveis de proteínas ligadoras de vitamina D e exposição solar inadequada.
Alguns estudos têm relatado a necessidade da suplementação ser de acordo com a variação sazonal, variando de 400 a 2.000 UI/dia. Evidências recentes sugerem que os níveis séricos deveriam ser mantidos nos níveis máximos da normalidade para a manutenção da saúde óssea. No caso de doença hepatobiliar severa, a 25-hidroxilação está impedida, então a 25-OHD é recomendada. A vitamina D é, usualmente, oferecida em combinação com a vitamina A; no entanto, um aumento da dose de vitamina A pode levar a ingestões potencialmente tóxicas, e a preparação isolada de vitamina D pode ser necessária2.
Vitamina E
O estado de deficiência de vitamina E leva à anemia hemolítica, degeneração neuromuscular, assim como déficit cognitivo e alteração da retina. A vitamina E (alfa-tocoferol) é um importante antioxidante, protegendo as membranas celulares do dano oxidativo através da redução do efeito dos radicais livres produzidos pela infecção crônica. O aumento da susceptibilidade da peroxidação lipídica tem sido mostrado em pacientes com baixos níveis de vitamina E. Cinco a dez por cento dos pacientes com FC têm níveis séricos baixos de vitamina E, apesar da suplementação. A suplementação está recomendada na dose de 400 UI / d (= 400mg de acetato de tocoferol = 450mg de acetato de tocoferol ou 268mg RRR - alfa-tocoferol), e efeitos colaterais só ocorrem quando doses excessivamente altas são oferecidas. Recomenda‑se, para melhor interpretação de seus níveis no plasma, a relação alfa-tocoferol/lipídios ou colesterol total como um índice do
status da vitamina E, principalmente se seus níveis estiverem baixos, porque os níveis de vitamina E aumentam com os lipídios2.
Vitamina K
A má absorção, deficiência de sais biliares, doenças hepáticas e antibioticoterapia comumente contribuem para a deficiência de vitamina K na FC. A vitamina K age como cofator na carboxilação e está envolvida não só no processo de coagulação, mas também na formação da osteocalcina, a qual está envolvida no metabolismo ósseo. A deficiência subclínica pode ter um papel na osteopenia e osteoporose em pacientes com FC. Nos pacientes com deficiência e/ou suspeita, devem ser oferecidos 10mg/dia, porém a dose correta para normalizar os níveis de PIVKA-II (proteína que é induzida pela ausência da vitamina K) ainda não está estabelecida. Em um estudo
crossover, randomizado (com 2 períodos de 4 semanas de cada tratamento), houve melhora significante dos níveis da vitamina K com a suplementação de 5mg semanalmente, porém os níveis normais de PIVKA - II não foram atingidos por todos os pacientes adultos com FC, sugerindo que esta suplementação de vitamina K pode ser insuficiente para os pacientes com FC. Além disso, como o tempo de
turnover metabólico desta vitamina é de, aproximadamente, 24h, uma dose diária pode ser melhor que semanal. A administração parenteral deve ser reservada para correção de deficiências sintomáticas agudas, na doença hepatobiliar ou má absorção severas2.
Minerais e eletrólitos
Cálcio
O cálcio é importante para mineralização óssea, contração muscular e transmissão de sinais no sistema nervoso. A má absorção e deficiência de vitamina D são as principais causas da baixa absorção de cálcio. O aumento da prevalência de osteopenia, osteoporose e um aumento do risco de fratura em crianças e adultos com FC levaram à revisão da recomendação diária de cálcio, onde crianças necessitam de 400 a 800 mg e adolescentes de 800 a 1200 mg de cálcio diariamente2.
Ferro
A deficiência de ferro é frequente na FC e pode ser causada por vários fatores: ingestão alimentar inadequada, má absorção, infecção crônica e perda sanguínea. As enzimas pancreáticas podem diminuir a absorção de ferro, por isso o horário da suplementação de ferro não deve ser próximo da reposição enzimática. Os receptores de transferrina sérica são os mais sensíveis indicadores da deficiência de ferro, porque eles não são afetados pela inflamação2.
Zinco
O zinco tem importante participação em várias enzimas. A sua deficiência está caracterizada por retardo no crescimento, acrodermatite e distúrbio na função imune. Adultos necessitam de mais de 15 mg/dia. A deficiência de zinco é difícil de ser caracterizada, uma vez que pode estar presente mesmo quando o nível de zinco plasmático esteja normal. A deficiência de zinco afeta o status da vitamina A; sendo assim, a suplementação de zinco também está indicada em pacientes com FC com níveis inadequados desta vitamina ou aqueles que apresentam cegueira noturna que não respondem com a reposição de vitamina A2.
Sódio
A suplementação de sódio e cloreto é usualmente necessária durante exercícios físicos em climas quentes2.
CONCLUSÃO
O tratamento da FC mudou notavelmente nos últimos 15 anos, com relação ao manejo nutricional, terapia farmacológica e cuidado domiciliar. A maioria dos estudos tem sido realizada em crianças e adolescentes. No entanto, com o aumento da expectativa de vida e melhorias observadas no estado nutricional em adultos, é importante desenvolver orientações adequadas para o cuidado do adulto. As alterações nutricionais e da composição corporal são prevalentes em, praticamente, todas as doenças respiratórias crônicas e, sobretudo, nas avançadas. A importante relação entre o estado nutricional e a sobrevida de pacientes com FC está bem documentada, e a prevenção da desnutrição ou sua detecção precoce para adequada intervenção são os objetivos primários da equipe de cuidados2.
A má nutrição na fibrose cística constitui um dos mais graves e difíceis desafios no manuseio dos enfermos. O quadro policarencial que vai se instalando é quase uma constante, e as manifestações mais comuns são baixo ganho de peso, desnutrição apresentando deficiências nutricionais específicas e grande comprometimento da função pulmonar4.
O trabalho de educação nutricional é necessário para um melhor prognóstico do paciente, sendo mais eficaz quando realizado sequencialmente e com bom vínculo entre equipe e paciente. A monitorização do estado nutricional, aliada aos avanços no tratamento clínico e fisioterápico, o diagnóstico precoce e a maior eficácia dos medicamentos, induzem à melhora na sobrevida atual dos pacientes18.
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